quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Relembrar

Relembrar é revisitar o passado. Sem viajar no tempo. Nem no espaço.
Há lembranças que nos pesam da mesma forma como pesam as pernas que se movem em direção ao túmulo de alguém muito querido que há pouco se foi.
São como lutos de uma morte. Mas, a morte chega depressa. Sempre. Mesmo que se viva 120 anos. Ela sempre nos pega de surpresa. A nós e ao que morreu.
Aos que ficam, porque nunca, jamais em tempo algum estaremos preparados para separação advinda do sepultamento de um ente querido.
Ao que se vai, porque não conheço uma pessoa que tenha o desejo de se separar dos que ama.
Há, contudo, lembranças que são como ir àquele lugar que mais amamos.
Um dos sons mais lindos do mundo para mim é o do mar. Eu não gosto de praia. Não me dou bem no sol. Não acho a menor graça em ficar "furando" ondas, acho um saco a areia... Mas, sou louca pelo barulho das ondas.
Vou à praia e fico ali, sentadinha na areia só observando e me deleitando ao som daquela melodia.
Algumas memórias são assim para meu coração, como ouvir ondas quebrando na arrebentação.
Outras são ainda como um passeio a um museu. Lembranças de um passado que, muitas vezes, parece que não nos pertence. Passamos por ele, vemos, estão ali. Têm valor, mas é como se não fosse nosso. De tão distante chega a nos causar estranheza.
Acredito que pode ser assim que muita gente que não tem amor à arte se sente quando para lá no Louvre frente à Monalisa.
Já ouvi relatos de pessoas que ficam estarrecidas com o fato de um quadro tão pequenino ser tão importante na história da humanidade.
Passada a festa de aniversário eu fui ao meu arquivo de memórias e mergulhei em meu coração.
Foi tudo muito maravilhoso. Mas, um ano se passou, afinal.
Só que esse ano, começou em 1999.
Os 30 anos fecharam um ciclo que se iniciou quando eu ainda tinha 19 anos, em janeiro quando me casei.
Foi uma festa linda! 595 convidados ao todo. Um vestido de princesa, muitas flores, um jantar magnífico. No local que escolhi, na igreja que eu amava.
Tudo muito bom.
Depois das bodas, fomos para Israel, um dos meus grandes sonhos, e depois para a Itália.
Digamos assim que, hoje, eu pense naquela viagem como uma bela viagem... Turística! Não muito lua-de-mel. Porque não éramos o típico casal de pombinhos arrulhando pelos caminhos da Terra Santa, nem nas ruas do Velho Continente.
Acontece que meu ex-marido é uma pessoa maravilhosa. Mas, é extremamente racional. E eu cheguei à conclusão de que era melhor amigo do que marido.
E voltamos de viagem e a vida seguiu, como ele mesmo gostava de dizer, normalmente.
Eu, contudo, nunca fui uma pessoa normal. Não sou muito dada ao que consideram trivial.
Por exemplo, não gosto de arroz, não como feijão, e não gosto de bife. Até como tudo isto se não houver alternativas.
Porém, havendo, eu parto para a mandioca, a farofa, a abóbora, a batata baroa, e assim vai.
Acredito que isto era o que mais o incomodava com relação a mim. O fato de eu não ser a pessoa que ele pensava que eu fosse. Era apenas eu.
Uma pessoa que foi criada com simplicidade, porém tendo conforto e boa instrução.
Sou muito diferente dos meus irmãos. É de se notar, primeiramente, que a estampa já diz que realmente não somos parecidos.
Eles dois são morenos, daquela cor que eu morro de inveja, porque posso passar mil anos tomando sol que não conseguirei jamais.
Nasci branquicela, e meus cabelos eram mais claros e encaracolados. Eles dois de cabelos lisos.
Eles extremamente comunicativos e alegres. Eu, sempre circunspecta.
Eles muuuuuuuuuito inteligentes. Eu sempre tive de me esforçar mais. Sempre.
Eu precisava estudar, enquanto aos dois bastava prestar atenção ao que quer que fosse. Até hoje é assim.
Entretanto, eu busquei uma formação que amava. Sempre amei. Veio comigo.
Uma tia do meu pai se ofereceu para me ensinar a tocar piano. Como eu a amava muito - e à música também- nem pensei duas vezes. Ela era a mulher que sempre sonhei ser. E acredito que ela sempre soube disso. Ou intuía essa minha admiração por ela.
Criou 5 filhos sem a ajuda de empregada, trabalhava fora e é esposa de pastor, ou seja, além das obrigações familiares e profissionais, havia o cuidado com o rebanho.
Mesmo assim, jamais se chegava à casa dos meus tios sem que houvesse biscoitinhos, docinhos, bolos...
Ela mesma fazia boa parte das roupas das crianças. E todos eles cantam divinamente. A família do pastor até hoje canta junta, cada ano acrescida de mais uma voz.
Eu amava aquela mulher, definitivamente.
Assim, fui ter aulas de piano com ela. Só que junto eu aprendi a me sentar, a falar, a comer, a cantar, a andar, e a escrever com uma letra razoavelmente bonita.
Só que além de tudo isto, eu ainda era Gabrielle. Que é tida por muitos como metida e arrogante.
E meu ex tinha pavor disso. Ele é extremamente inteligente, mas é uma pessoa simples.
Ele gosta de dizer que é da roça. Foi criado em fazenda.
Claro que isto não faz com que alguém seja melhor ou pior do que outra pessoa. São só pessoas diferentes. Só isso.
Só que em um casamento isto não basta para ser feliz. É preciso ser diferentes, mas não tão diferentes como a água e o óleo, como a Montanha e o Mar. Os primeiros parecem ser iguais, mas não se misturam. Os segundos são lindos juntos, parecem se completar, mas não podem se misturar também. Um casal, para dar certo, precisa ser como água e vinho - Se misturam. E ainda podem dar um bom refresco se acrescidos dos complementos certos.
E, com o passar do tempo, coisas que no início não me incomodavam, passaram a me incomodar demais, como penso que a ele também.
Não quero me fazer de vítima. Só estou narrando os fatos sob o meu ponto de vista. Daquilo que eu sentia. São as minhas impressões.
E, o fato de colocá-las em palavras, não muda fatos. E fatos são aquilo que eu percebo. E o que eu percebo pode não ser o que outros percebem. O que é fato para mim pode ser imaginação para o outro.
Pode ser fato que amei alguém. E pode ser imaginação para quem vê de longe. Tudo é relativo. Depende de onde se está, como se está e de quem é.
Bom, o fato para mim é que eu me sentia só. Muito só.
Ele trabalhava fora da cidade e o tempo em que passava fora não me ligava e ainda por cima deixava o telefone desligado.
Por mais que me explicasse as razões para isto acontecer, eu jamais entendi. Jamais.
Não seria demais gastar R$ 3,00 por semana para só dizer um "Oi! Está tudo bem? Precisa de alguma coisa?"
Não gostava de conviver com minha família.
E eu tenho a necessidade de conviver com os meus. Não levo meus problemas. Não choro minhas mágoas. É só mesmo vontade de estar junto a eles ao menos uma vez por semana.
Falo com os meus pais todos os dias.
E não vejo mal algum em fazer isto. Não acho que fico mais ou menos dependente deles por causa disso. Ele já não via assim.
E era causa de grande desconforto para mim.
O dinheiro era algo também ruim entre nós. Por algum tempo eu não trabalhei. E ele passou por um período difícil. Eu jamais falei qualquer coisa a respeito para os meus pais. Nunca disse coisa alguma.
Por um bom período ele viajou para a cidade onde trabalhava com meu carro. Porque o dele havia quebrado e não tínhamos condições de consertar. Nunca falei com meus pais a respeito disto. Nunca. E, mesmo assim, ele achava ruim o fato de eu querer falar com eles todos os dias.
Enfim. Meu casamento, como todos, teve bons e maus momentos. Mas, acabou. Há um ano. De uma forma nada confortável. Para ninguém.
Casei-me para passar a vida inteira ao lado da pessoa que amava. Mas, não podia continuar daquele jeito.
Já estava muito dolorido para mim. Não aguentava mais não me sentir valorizada como mulher.
De conviver com lembranças de coisas ruins que mataram o que eu sentia.
Por exemplo, o fato de ele um dia ter dito a uma pessoa que não me dava tudo o que eu precisava para ver se eu tomava vergonha e ia estudar para passar em um concurso...
Como por exemplo o fato de um dia uma pessoa dizer o quanto eu era bonita e ele dizer que havia namorado mais bonitas...
Isto só para citar duas delas...
Não quero ficar falando do casamento que acabou... Realmente... Não sei se darei conta de dizer tudo quando gostaria.
Não sou vítima. Não sou. Mas, todas essas coisas, para mim, culminaram no ano que passou...
Hoje, eu meti o joelho na quina da cama em que durmo... Estou com um hematoma horrendo. Que me fará ficar pelo menos umas duas semanas sem poder usar um vestidinho mais curtinho.
Há um ano e três dias dias eu recebia pessoas por quem tinha enorme carinho aqui em casa para um jantar. Quando eu as chamei, contudo, eu não imaginava que elas acabariam vindo só por compaixão. E que, terminada a noite, eu meteria o joelho na quina da cama e estaria com um hematoma horrendo...
Este acidente me fez revisitar lembranças... Viagem no tempo sem sair do lugar.
Onde as classificarei? Bom, passei ali num cemitério. E andei por um museu, logo depois. E, quando voltei a Israel e para a casa dos meus tios, eu ouvi o mar...
30 anos em Uns tempos que já se foram... E os que virão?
Acho que vou assim... Como quem anda manca depois da pancada. Vou devagarzinho. E contando minhas impressões do que foi, do que é e do que será.

3 comentários:

Anônimo disse...

Oi Gabi!
Parabéns pelo novo blog! Só mesmo dois blogs pra "dar vazão" a tanta criatividade de uma mente tão brilhante quanto a sua... Belo texto! Você tem uma habilidade incrível em descrever os detalhes que enriquecem os textos... Bom, você já sabe que sou seu fã de carteirinha...Rs rs rs... Paulo.

Gaby Avelar disse...

Obrigada, Paulo! Você é que é sempre muito gentil!
Anônimo(a)... Censurei seu post! Hehehehehe!!! Desculpe, mas já disse que aqui só eu me exponho. Ou então a exposição é voluntária.
Certo?
Desculpe, não gosto de parecer tirana, mas muitas vezes preciso ser arbitrária.

Gaby Avelar disse...

Fala sério!!! Hehehehe!!!